
Aonde estavam os amigos naquela noite?Depois de ouvir a triste notícia envolvendo o Padre Sílvio Andrei, tentei me colocar no lugar dele e procurei interpretar o que teria passado em seu coração naquele dia e como ele estaria vivendo estes momentos. Assim, fiz a seguinte reflexão: Aonde estavam os amigos que me convidaram para participar do casamento? Aonde foram aqueles que comigo beberam e fizeram festa e quem sabe até caçoaram do meu estado? Ninguém viu que eu estava com o comportamento diferente depois daquelas bodas que abençoei?
Certamente, descontrolado fiquei sozinho e sem rumo. Fui invadido por sentimentos e desejos que conscientemente nunca teriam espaço e visibilidade em meu ser gente. Até que ponto posso contar com amigos de verdade, amigos que ao redor da mesa e nos desequilíbrios do cotidiano são capazes de dar tudo até a própria vida, se for preciso? Sei que o humano, marcadamente frágil, tomou o lugar do divino, profundamente forte. O mal agiu, porque eu estava sozinho.
Como senti naquela noite a falta de um amigo verdadeiro! Assim não teria passado pelo ridículo vexatório, não teria sido tratado como marginal, como trapo humano, ridicularizado pela mídia ingrata e sensacionalista, em que conta o ibope criado sobre a desgraça do outro. Sem minimamente se preocupar com o ser humano, o pecador é pisado, maltratado sem piedade. Os direitos humanos desaparecem imediatamente.
O importante é o pecado, a desgraça alheia. Lamentavelmente é sempre assim. Ridicularizado, não pela culpa e sim pelos atos conscientes ou não. Naquela hora não valeu o meu passado, ninguém me reconheceu, ninguém me conhecia, fui colocado no fogo do inferno. Fui jogado e algemado como criminoso, perdi a identidade de ser humano.
A dor do pecado é doída demais. A cruz neste calvário pesa enormemente. Nunca me passou pela cabeça viver momentos tão difíceis. Agora eu preciso viver esses momentos intensamente, sem olhar para trás, querendo consertar o passado. Hoje vibra em meu ser e no meu coração as Palavras do Mestre: Quem não tem pecado atire a primeira pedra. Aonde estão aqueles que te condenaram? Ninguém te condenou, nem eu te condeno, vai, e não voltes a pecar. Como faz bem trazer ao coração as Palavras daquele que me chamou, contou e continua contando comigo. Sei disso. Não só sei, tenho certeza. A minha mãe é a Igreja na qual sou servo. Certamente ela não me abandonará, porque ela é mãe.
Sou o que sou. Fiz o que fiz. Estou profundamente arrependido. A justiça humana julgará. Sinto que diante de Deus sou tratado como filho, sou querido como sempre fui, porque conheço o Pai que tenho. Afastei-me, machuquei o meu coração e o coração do Pai, da minha família humana e espiritual. Manchei sim as vestes do meu ministério. A minha vocação que nasceu de maneira tão simples e cresceu de forma tão equilibrada, agora se desequilibra. Sei, porém, que essa aparente vitória do maligno é passageira.
Sei em quem acreditei e vou continuar acreditando, porque o amor de Deus por mim é maior do que tudo. Ele me amou por primeiro, e seu amor por mim é verdadeiro! Eu falhei, mas Ele não falha. Ele me ama. Como me faz bem tomar consciência de que, apesar de tudo isso, posso contar com alguém que olha nos meus olhos e me acolhe, me abraça e quer contar comigo como filho.
Dom Anuar Battisti
Arcebispo Metropolitano de Maringá PR
Este texto de Dom Anuar nos leva a reflexão do grau de comprometimento para com aquele que chamamos de amigo, que qualidade de amizade vivemos, que valor damos ao amigo.
Não se trata aqui de inocentar muito menos de julgar, mas de rever nosso postura de amigo.